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A Arte de se Sentir em Casa

Publicado em: 11 de novembro de 2020

Em meio ao caos e à incerteza da pandemia, um texto singelo, como um sussurro de esperança, viralizou e tocou corações em todo o mundo. “E as pessoas ficaram em casa”, da escritora americana Kitty O’Meara, mais do que um relato sobre o isolamento, tornou-se um hino à resiliência e à capacidade humana de encontrar a cura e a transformação nos momentos mais desafiadores. A sua mensagem, de uma profundidade tocante, convida-nos a refletir sobre o papel fundamental da arte como bálsamo, refúgio e ferramenta de redescoberta, não apenas em tempos de crise, mas na tessitura do nosso dia a dia.

“E as pessoas ficaram em casa. E leram livros, e escutaram, e descansaram, e se exercitaram, e fizeram arte, e jogaram jogos. E aprenderam novas formas de ser, e ser em quietude. E ouviram mais profundamente. Algumas meditaram, algumas rezaram, algumas dançaram. Algumas encontraram suas sombras. E as pessoas começaram a pensar diferente. E começaram a se curar. E na ausência de pessoas vivendo na ignorância, no perigo, no egoísmo e na inconsciência, a Terra começou a se curar. E quando o perigo passou, e as pessoas se juntaram novamente, elas choraram seus mortos e fizeram novas escolhas, e sonharam sonhos novos e criaram novas formas de viver e de curar completamente a Terra, da mesma forma que eles haviam sido curados…”

Kitty O’ Meara, autora do livro ilustrado “E as pessoas ficaram em casa”

O poema de O’Meara descreve um povo que, forçado ao recolhimento, se volta para dentro. Longe da agitação incessante do “velho normal”, essas pessoas “leram livros, e escutaram, e descansaram, e se exercitaram, e fizeram arte, e jogaram jogos”. Nessa quietude imposta, a arte emergiu como uma das atividades essenciais, uma via para processar emoções, para dar voz ao indizível e para colorir dias que se tornaram cinzentos.

A arte, em suas múltiplas formas – seja na pintura, na escrita, na dança, na música ou no teatro –, oferece um canal único para a expressão. Em momentos de grande pressão psicológica, como os vividos globalmente, as palavras muitas vezes falham. É aí que a linguagem simbólica da arte se revela poderosa. Um traço, uma melodia, um movimento podem carregar o peso da angústia, da saudade e do medo, mas também podem ser o veículo da esperança, da gratidão e da redescoberta de si mesmo. Como O’Meara poeticamente nos lembra, foi nesse mergulho interior que “algumas encontraram suas sombras”. E a arte é, por excelência, o campo seguro para esse encontro, para o diálogo com nossos monstros e nossas luzes.

A Cura Pela Criatividade: Mais que um Passatempo, uma Necessidade

O poema avança, afirmando que, ao se permitirem essas novas formas de ser, “as pessoas começaram a pensar diferente. E começaram a se curar”. Essa cura não é apenas a ausência da doença física, mas uma restauração da alma, uma cicatrização das feridas emocionais. A prática artística, nesse contexto, transcende o mero passatempo. Ela se torna um ato terapêutico.

Estudos e a própria experiência humana confirmam que o engajamento em atividades criativas pode reduzir os níveis de estresse e ansiedade, promover o bem-estar mental e fortalecer a resiliência. Ao nos concentrarmos no ato de criar, entramos em um estado de fluxo, uma imersão profunda que nos desliga das preocupações externas e nos conecta com o presente. É um exercício de mindfulness guiado pela intuição e pela sensibilidade.

Essa cura individual, proposta por O’Meara, reverbera para o coletivo. “E na ausência de pessoas vivendo na ignorância, no perigo, no egoísmo e na inconsciência, a Terra começou a se curar”. A arte, ao nos tornar mais conscientes de nossas próprias emoções e de nossa humanidade compartilhada, tem o poder de gerar empatia. Ao nos depararmos com a expressão artística de outra pessoa, somos convidados a ver o mundo através de seus olhos, a sentir com seu coração. Essa conexão é a semente para uma cura mais ampla, que abrange a sociedade e o próprio planeta.

O Legado da Quietude e as Novas Escolhas

O texto de Kitty O’Meara culmina com uma visão de futuro: “E quando o perigo passou, e as pessoas se juntaram novamente, elas choraram seus mortos e fizeram novas escolhas, e sonharam sonhos novos e criaram novas formas de viver”. A experiência transformadora do isolamento, mediada pela arte e pela introspecção, não foi em vão. Deixou um legado, uma sabedoria que impulsiona a mudança.

A arte é a guardiã desses “sonhos novos”. Ela é o campo onde podemos experimentar, projetar e construir as “novas formas de viver”. Ela nos encoraja a questionar, a imaginar futuros possíveis e a não nos contentarmos com a restauração de um mundo que já se mostrava insustentável em muitos aspectos.

A mensagem de O’Meara, nascida na pandemia, permanece atemporal. Ela nos recorda que não precisamos esperar por uma crise global para buscarmos a quietude, para ouvirmos mais profundamente e para fazermos da arte uma parte integrante de nossas vidas. A arte é a respiração da alma, o elo que nos conecta com nossa essência mais profunda e com o mundo ao nosso redor. Que possamos, todos os dias, encontrar um momento para ler um poema, para ouvir uma música com a alma, para rabiscar sem compromisso ou para dançar na sala. Pois é nesse exercício contínuo de sensibilidade e criação que encontramos o caminho para a nossa própria cura e, consequentemente, para a cura do mundo.


Referências

O’MEARA, Kitty. And the People Stayed Home. Página oficial do livro na editora Simon & Schuster.

CHOPRA, Deepak. Prefácio ao livro de O’Meara, citado na O, The Oprah Magazine, que a nomeou “a poeta laureada da pandemia”. Ver em Simon & Schuster.

THOMAZ, Julia. “Breathe in your stuffy cell”: (Re)emergence of poetry in times of COVID-19. Análise acadêmica sobre a função da poesia durante a pandemia, citando o poema de O’Meara como um dos primeiros a viralizar. Disponível em Phin. (PDF).

MASH GALLERY. The Healing Power of Art: Why Creativity Matters in Challenging Times. Artigo explorando como a arte serve como expressão emocional e ferramenta para a saúde mental. Ler artigo.

WORLD ECONOMIC FORUM. Exhibition ‘Artists Responding to Crisis’ highlights the challenges facing humanity. Artigo sobre como artistas desempenham um papel crucial em ajudar sociedades a expressar as complexidades emocionais de experiências coletivas. Ler no WEF.

HARVARD CRIMSON. Art as a Catalyst for Healing: Redefining the Role of Art in Social Change and Emotional Recovery. Artigo que discute a arte como catalisadora para a cura coletiva e resistência. Ler no The Harvard Crimson.